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sábado, 30 de junho de 2012

Férias em moto 1983

Férias em Forvel 125 1983

Na segunda quinzena de Agosto de 1983 eu e o meu amigo João decidimos fazer umas férias de moto até um destino que preenchia o nosso imaginário, São Pedro de Moel. Como ele tinha uma “pequena” Casal de 2v decidimos ir ambos na minha “enorme” Forvel 125 com motor Hodaka a 2 tempos. Eu na altura ainda fumava e deu-me para comprar este charuto. A moto tinha custado 80 contos nova (400 euros para os mais novos) e era feia q.b. Eu tirei-lhe logo uns autocolantes que trazia e, quando juntei mais algum dinheiro, pintei os guarda-lamas à cor e lá ficou mais apresentávelzita. Tinha vontade própria e sabia que eu não morria de amores por ela e que só a comprara porque a guita não dava para mais. Então, ressentida, pregava-me umas partidas. Ora aproveitando aselhice ou distracção minha, ora por ter pneus de “plástico”, ou por lhe ter posto um descanso lateral soldado ao quadro e que engatava nas guias, a descer passeios, ou por ter problemas de embraiagem, enfim…volta e meia, mandava-me ao soalho. Eu comparava-a a um cavalo manhoso, chateava-se e aqui vai. O problema com a embraiagem era este: Ao fazer ponto de embraiagem ela patinava e agarrava logo de seguida, como quem faz kits, mas só e quando lhe dava na veneta. Acho que lhe dava um certo gozo pôr-me a apanhar bonés: patinava, esperava que o motor subisse de regime e agarrava, voltava a patinar e voltava a agarrar. Estão a ver a cena, a roda da frente com vontade própria, aos saltos. Isto acontecia em qualquer altura mas mais quando o motor estava bem quente. Uma vez, a sair do Liceu de Gaia onde estudava à noite, quis armar aos cucos com um arranque à Fangio, ela fez a “habilidadezinha” dela. Grande cavalada sem eu contar, desviou-se da trajectória e só parei nas grades do liceu para gáudio de todos (e todas) os que assistiam…

Bem… no dia combinado lá fui ter a casa do João para amarrarmos as trouxas e partir para férias. Quando a moto estava já prontinha começou a chover para benzer a viagem, pelo que decidimos arrancar apenas quando parasse. Primeiro porque não tínhamos morto ninguém, segundo porque não tínhamos ninguém à espera, terceiro porque simplesmente não tínhamos fatos de chuva. Além disso fato de chuva era coisa de velhote ou de cócó, que eu me recusava a usar. Choveu toda a manhã e toda a santa manhã esperámos. Lá arrancámos após o almoço. Fomos pela estrada nacional 1, não para fugir às portagens mas, porque aquilo que veio a ser conhecida por A1 começava no Porto acabava nos Carvalhos de onde nós saímos. O resto estava ainda em construção.
À saída da Branca, apanhámos um susto tremendo. De repente ouve-se aquilo que parecia um estouro porque o silenciador do escape tinha saído disparado. Era um escape horrível, cromado, a fazer lembrar os antigos “rabo de peixe” mas a alargar para a extremidade e bojudo. Sem a panela silenciadora transformava-se num megafone. A moto ao ralenti parecia uma metralhadora pesada a disparar. Parámos. A panela jazia uns 30 metros antes e foi fácil de localizar mas a “porca da fêmea” que ao soltar-se, dera o sinal de partida ao silenciador, deu-nos uma tanga... Quando eu já estava a começar a flipar lá apareceu.


(Reparem na qualidade do top case e do saco depósito feitos à medida para este modelo).


No devido lugar, continuamos até Leiria onde parámos para um cigarro e retomámos o resto da viagem


(reparem nos veículos que me rodeavam ainda muito actuais na altura)

pela Marinha Grande até São Pedro de Moel. Instalámo-nos no parque de campismo.


Como tínhamos sido escuteiros, tínhamos aprendido, à custa de alguns petiscos intragáveis e muita ráfia a confeccionar as nossas próprias refeições.


Para nossa admiração, S. Pedro de Moel, à noite, era uma pasmaceira e por isso a meio do dia seguinte decidimos ir para a Nazaré e ficar no Orbitur. Chegámos do meio para o fim da tarde. Fizemos o check in e lá fomos devagarinho na moto à procura de uma zona que tivesse miúdasdebaixo do olhar atento de alguns estrangeiros. Tudo malta nova. Fui lá abaixo dar a volta e toca a fazer ponto de embraiagem para subir. A moto lá devia estar cansada ou o que foi e brindou toda a plateia com uns pinotes da roda a frente. Boa disposição geral e bom tema de conversa porque ninguém estava a perceber porque raio estava eu a fazer aquelas piruetas. Deixei a moto lá quietinha, tirámos a bagagem, montámos a tenda e fui buscá-la mais tarde quando estava mais “calma”.


O parque tinha pouca gente e na zona onde decidimos ficar estavam quatro francesas e um motard belga que era barman e viajava pela Europa numa Honda CB 400 dourada. Malta impecável.



(A aprender a comer tremoços...)


Passámos uma semana muito divertida. No regresso, perto de Pombal, fomos alcançados pelo belga que seguia também em direcção ao Norte. Parámos para tomar um café e como ele não tinha destino obrigatório ficou decidido que então ficaria em minha casa dois dias antes de seguir para a Bélgica.
A sua moto tinha a grade traseira partida, e um aloquete em U inutilizado por ter perdido a chave. Levei-o a um mecânico amigo que lhe soldou a grade por tuta-e-meia e fui com ele à rua dos Caldeireiros, ao Porto, para que, com uma chave mestra, lhe fosse feita uma nova chave para o cadeado. Achou tudo baratíssimo.
Como era barman, demos-lhe a provar bagaço de vinho verde caseiro. As aguardentes do centro da Europa embora tenham um cheiro intenso têm um paladar suave enquanto que o bagaço, especialmente o de vinho verde, dissimula, por detrás daquele cheirinho adocicado, toda a pólvora que contém. Le Belge, como lhe chamávamos pois nunca soubemos o seu nome, meteu o seu nariz de expert no balão e acenou com a cabeça num misto de surpresa e aprovação. Então, sorveu um gole demasiado grande e pensávamos que morria. Quando os vapores do bagaço lhe chegaram à goela desatou a tossir, ficou transfigurado, os olhos raiados de sangue e banhados em lágrimas, sem conseguir falar e quando o conseguiu fazer disse: “Ça c’est fort, ahn?” com voz de falsete. Baptizou a bebida com o nome de Hot Stuff e como fazia questão de comprar algum, e daquele não havia à venda, uma amiga minha ofereceu-lhe uma garrafa para levar para a Bélgica. Estava morto por praxar os amigos. No dia seguinte Le Belge, depois de quase de 2 horas para conseguir pôr a moto a trabalhar lá partiu com o seu Hot Stuff. Passados 10 dias acabaram-se as minhas férias e entrei para o serviço militar...